Numa sociedade em que há crianças abandonadas para dar e vender – literalmente (!) – um certo grupo de órfãos pode estar em falta: os carentes por um bom jornalismo. O documentarista João Moreira Salles fez parte da categoria. Sentia falta de matérias de qualidade e resolveu fazer algo a respeito. Com um pouco de entusiasmo e outro tanto de dinheiro, lançou a revista Piauí.
Com o avanço das tecnologias e o advento da Internet, a maneira de informar entrou em crise. Já há estrutura física para que um fato vire notícia, e esta circule pelo mundo em minutos. Assim, inicia-se a maratona pelo ‘furo’. O veículo vencedor é aquele que fizer a notícia chegar primeiro ao público. Conseqüentemente, entre um quilômetro e outro da corrida, perde-se qualidade. As revistas e os jornais também entraram na competição, mas, quando se trata de instantaneidade, ficam de lanterninhas. Querem tanto se igualar aos outros meios que a maioria encurta seus textos, enxuga suas páginas, as inunda de imagens, e trata do que já foi dito ontem na Internet, no rádio e na televisão.
A Piauí é o atleta que tem surpreendido a torcida quando dá meia volta e corre para o lado contrário. A revista não tem a pretensão de contar um fato antes dos outros. Ela quer entregar a informação que os outros não deram, dar o contexto da notícia. Além disso, seus escritores (não necessariamente jornalistas) misturam ficção e realidade, para tornar o assunto interessante e manter o leitor até o último ponto final do texto. É um adeus à pirâmide invertida.
Sem dúvida, é um movimento audacioso, louvável. Salles não acredita nem em uma possível futura concorrência. É caro e difícil fazer uma revista de qualidade, surpreendente. Porém, a estréia da Piauí também dá um outro lançamento: a pergunta ‘há quem leia essa revista?’. Esse é um questionamento muito mais complexo do que se ‘tem quem a compre?’. Os dados já comprovam: estimava-se que a venda mensal seria de 10 mil exemplares e hoje é o triplo. Então tem quem gaste dinheiro com jornalismo de qualidade sim.O marketing da Piauí é: uma revista para quem tem um parafuso a mais. E todo mundo quer ser inteligente e culto. Ser contra a tendência mundial de superficialidade no jornalismo é simples. Ler quase 70 páginas standard (ou, mais otimista, ler apenas a maioria dessas folhas) de letras minúsculas mensalmente é para poucos. Há, não só no Brasil mas em todo o mundo, um desejo de apreciar a leitura, de estar bem informado e de ter uma opinião bem estruturada sobre os temas mais diversos. Porém a paciência (e também o tempo) esgota-se já nos primeiros parágrafos. É por isso que a TV faz sucesso. Uns parafusos faltando não fazem grande diferença na compreensão das (maioria das) mensagens. A Piauí corre o risco de ser aquela revista de guardar em cima da mesa de centro da sala de estar. A capa é interessante, mostra que o anfitrião tem estilo. A pergunta é se ele realmente tem um parafuso a mais.
5 comentários:
Gostei!
Tem estilo essa Liza Crespa hein!
Parabéns futura Sra Le Monde.
Muito bom teu texto, Liza! Muito bom mesmo!
Ressaltaste um ponto importante no teu texto: ter a revista, o livro ou seja lá o que for não significa que há público leitor! Comprar uma revista para parecer culto e deixar em cima da mesma é fácil! A partir daí podemos chamar o mestre rudiger e seu amigo Theodor Adorno e entrar na discussão sobre indústria cultural, fetichismo, enfim, todo o sistema que transforma elementos da cultura em mercadoria e faz com que as pessoas as consumam para forjar uma imagem "cult".
Mais uma pra entrar no grupo dos que publicam os textos pra aula do Vitor no blog
hehe
Projeto ousado e inteligente. A Piaui pegou um caminho esquecido, o jornalismo literario, ou como o Joao Moreira Salles prefere, o jornalismo de nao ficcao, para apresentar a noticia de uma maneira muito mais interessente. Nao eh imeadiata, mas eh muito bem construida e capaz de prender o leitor ate o final. Eh um tchau pro lead!
Beijos
Liza, excelente texto. Nunca tinha lido nada teu e gostei bastante mesmo. A tua introdução foi muito criativa. Confesso que imaginei todas as publicações correndo numa pista e a Piauí fazendo o caminho inverso. Foi quando a Caras olhou com um olhar de estranheza!
Beijo
Sensacional. Fiquei orgulhosa e até com inveja! ;-) Bjos.
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