quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Eu sou virgem.

"O taxista e uma menina de 19 anos, numa rua sem saída, de madrugada. Ele te dá uns tapas, te come (pausa) e ainda leva o teu dinheiro". Eu não seria capaz de descrever a expressão que tomava conta do seu rosto porque meus olhos propositalmente fitavam, imóveis, o pára-brisa (muito mais pelo verbo 'comer', do que pela hipotética cena descrita). Mas o meu pai estava determinado a me contaminar com o medo.


Minutos antes, ao encontrá-lo, eu havia perguntado como estava o nhoque da janta. Ele me respondeu olhando para o trânsito, com a voz calma e uniforme: "Não teve nhoque. Roubaram as batatas junto com o carro da tua mãe". Costumo dizer que o aniversário é o melhor dia do ano. Definitivamente não para a minha mãe, que foi assaltada no dia em que completava 47 anos. Foi, talvez, o ato de um anti-petista raivoso, que se emputeceu ao se deparar com o adesivo "Brasil: um país de todos". Colado no vidro traseiro do Honda Fit, ele ainda era um resquício da eleição do Lula no primeiro mandato. Um adesivo pré-mensalão, pré-relaxa-e-goza (e tantos outros prés), que, por algum motivo não muito definido, continuava lá, intocável.


Depois de me relatar o roubo, o meu pai ainda lembrou que, dias atrás, ao chegar em casa de táxi tarde da noite/cedo da manhã, esqueci de chamar os vigias, pagos pelos moradores do bairro. O que, repetia ele, era extremamente imprudente. Até posso ficar impressionada com o discurso. O tal estupro inevitável com o taxista mal-intencionado não me parece uma ótima idéia para sábado de madrugada. Mas a verdade é que sou virgem. Virgem em violência urbana. Não consigo trazer para a minha realidade o que ouço, vejo e leio na mídia.

Nem furto de celular dentro do ônibus, muito menos roubo à mão armada. Muitas vezes desconhecidos me abordaram em ruas desertas gritando "ei, moça! peraí! não sou bandido não, viu moça?!". E eu pensava que tinha chegado a minha vez, a hora de fazer realmente parte da sociedade. Ser uma verdadeira nativa de país subdesenvolvido e ter aquela história para contar entre uma cerveja e outra, exclamando "AQUELE FILHO-DA-PUTA". Mas nada. Só pediam uma moedinha, um trocado.


Tempos atrás, eu me cuidava muito. Em transporte coletivo, pendurava a mochila para a frente, encostada na barriga. Notas de 50, quando carregadas a pé, eram estrategicamente trancafiadas no bojo do sutiã. E o meu iPOD por bastante tempo não conheceu a via pública.


Hoje em dia, me dei ao luxo de testar os limites da sorte apertando a tecla Foda-se. Não sei o que faria se fosse assaltada. E não é algo que eu adoraria que acontecesse. É mais uma curiosidade, um hímen inquieto.