segunda-feira, 23 de julho de 2007

:(



-25 y 26. Yo voy a la ventanilla. Sí, sí. Bueno, un beso grande. Cha-Chau!

A senhora do banco da frente não sabia, mas era a última vez que -por um bom tempo- eu ouviria aquela língua, aquele jeito diferente de dizer 'tchau'. Quase todos os outros passageiros falavam português. E não tinha nenhum funcionário uruguaio. O comissário me perguntou "Porto Alegre?" e isso me irritou: ele pronunciava perfeitamente o R e dizia "alégri", em vez de "alêgrê". Assim como eu. Eu não era mais a exótica, la brasileña. Eu não tinha mais pra quem explicar o significado da palavra 'saudade'. Ainda na rodoviária, vi um outdoor luminoso: Hasta la vuelta! É... até! Fotografei a frase, acho que para eu lembrar que sempre poderia voltar.


A viagem levou dez horas e meia, 60 minutos a menos do que na ida: tinha menos trânsito. Há muito mais gente indo pra Montevidéu do que voltando. Deve ser porque vir embora é uma idéia estúpida. É, deve ser.



ps: O comissário era feio. Mas isso já era óbvio.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Ponto F

Existe uma sensaçao que só se tem algumas vezes na vida. É como se um pedacinho do céu se desprendesse e chegasse até você, tipo calota polar em pleno aquecimento global. Parece que o ar abraça narinas e pulmões, e sorrir torna-se inevitável. Pode ser chamada de felicidade, porém nao é uma felicidade qualquer, trivial. Tem que ser daquelas que fazem a vida ter sentido.

Esse momento é tao especial que nunca é esquecido. Em 18 anos, tive três desses instantes. O primeiro, aos 11. Minha mãe estudava em Leeds, um pólo universitário da Inglaterra, no qual migram estudantes do mundo todo para desfrutar de um ensino de ponta. Meu pai e eu fomos visitá-la. Num passeio pela cidade, entramos na livraria Border´s e fomos tomar um chocolate quente (naquela época, ainda não havia nem sombra da Livraria Cultura em Porto Alegre. A Saraiva MegaStore só surgiria meses depois. Então beber qualquer coisa segurando um livro não-comprado era uma novidade para nós). Sentados na mesa ao lado da janela, o vapor da bebida entrava calorosamente pelo meu nariz. Um pedaço de coockie Millie´s (o ME-LHOR coockie de TODOS os tempos!) já havia sido abocanhado quando fui apreciar a vista. Indianos, japoneses, africanos: aquela gente apressada compartilhava a rua com os meus olhos. Foi ali que ocorreu.

O segundo, um pouco mais clichê, aconteceu quando eu tinha 16 anos. Apaixonada, tive esse momento o lado do meu primeiro namorado (se eu soubesse usar todos os recursos multimídia que a Internet proporciona, agora haveria um coro de meninas dizendo "oooohhhhh", de um jeito meloso e demorado). Passávamos as tardes na sua casa, depois da aula. Horas e horas basicamente olhando um para o outro. Estávamos os dois embalados por um edredom preto. Ele deitado e eu sentada. Falávamos sobre o futuro, sobre o que queríamos ser na vida: não profissionalmente, mas como pessoa. Olhei para ele, ali, com as mãos embaixo da nuca, e acreditei profundamente que eu era a criatura mais sortuda do mundo. E aconteceu.

O terceiro foi em fevereiro deste ano, quando viajei para Montevidéu. O Uruguai sempre teve um certo poder sobre mim. Com uma família fronteiriça, temos alguns amigos no país vizinho. Assim, viajamos para lá diversas vezes, das quais guardei boas recordações. Porém, foi apenas nesta viagem que me dei conta do quão AMO Montevidéu. Os prédios sao antigos, de um jeito meio mal conservado, perfeito para fotografias. As roupas são, em sua maioria, baratas e exatamente do meu gosto. As ruas são seguras e cobertas de plátanos. Por todos os cantos, há confeitarias, com doces maravilhosos. Medialunas, tortas, alfajores, empanadas, panqueque de manzana, além de pizzetas, chivitos e panchos: os carboidratos são fundamentais na mesa. Adultos escutam Chico Buarque, jovens gostariam que o Ronaldinho Gaúcho tivesse nascido mil quilômetros mais ao sul. Tem 97% de alfabetismo, e os museus são de graça. As lãs custam quase nada, e o doce de leite se come de colher. Em fevereiro, percebi que essa cidade é tipo uma colagem de tudo que gosto. E foi aí que senti.

Alfabeticamente perto do ponto G, a felicidade é como um orgasmo. Um orgasmo emocional.

domingo, 8 de julho de 2007

Papa, o limbo existia naquela viagem ao Uruguai.

Ainda nao tínhamos saído da rodoviária quando uma menina resmusgou para ir ao banheiro. Cinco minutos depois, um lindo rapaz - parênteses rápido: 90% dos homens uruguaios sao bonitos. Dados retirados da minha memória e do meu bom gosto - se posicionava bem à frente. Pelo microfone prateado, ele começou: "Buenas noches, señoras e señores,...". Esperei a traduçao do discurso, ela nao veio. Estávamos em Porto Alegre, mas aquele ônibus parecia transitar no limbo: nem Brasil, nem Uruguai. Da minha terra, só havia a irritante criança do xixi, o ônibus (que tinha uma etiqueta com a gravaçao "Marcopolo, Made In Brazil") e eu. El guapo terminou com "gracias" e ligou a tv. O filme era americano; a legenda, espanhol. Meus olhos se encheram de lágrimas, estranhamente me senti em casa.